sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Natal, Natureza e Naturança


 A Estação Luz expressa sua imensa gratidão  a todos amigos que se fizeram presentes nesta caminhada de 2008 e ratifica o desejo do monge Marcelo Barros,  autor do belíssimo texto que abaixo reproduzimos,  de que " cada pessoa que expresse à outra votos de feliz Natal- com a consciência alargada de uma saudação  telúrica - se alegre em restituir ao mundo a sacralidade de um Natal da vida e da luz, mesmo em meio às escuridões: nossas e do mundo."
Muita paz a todos !

" Natal é a festa da luz. Nas cidades, árvores, ruas, casas e Igrejas se enchem de lâmpadas coloridas e estrelas luminosas. No hemisfério norte, onde surgiu esta tradição, o 24 de dezembro marca a noite mais longa e escura do ano. Entretanto, ainda assim, a aurora surge e a luz vence a escuridão mais profunda.
Os povos antigos relacionavam o caminho da humanidade aos ciclos dos astros. Acreditavam numa profunda conexão entre a Natureza e a alma humana. Para estas antigas tradições, o nascimento de Buda, de Mitra, ou o de Jesus de Nazaré desencadeia princípios cósmicos que estreitam a união entre a vida espiritual e a harmonia do Universo. No último século antes da era cristã, a adoração a Mitra, divindade persa que simbolizava o sol, para invocar calor e luz aos animais e às plantas, foi introduzida em Roma e se tornou um dos cultos mais populares do Império. Em todos os continentes, o solstício do inverno sempre foi celebrado como a festa do renascimento do sol. No século IV, o Cristianismo substituiu o culto do Sol pela celebração do nascimento de Jesus Cristo, a quem o Evangelho chama de "sol nascente que vem nos visitar, para iluminar as pessoas que jazem na escuridão e na sombra da morte e para nos guiar no caminho da paz" (Lc 1, 79)
A Festa do Natal foi incorporando e descartando tradições. Sua versão moderna dissemina elementos de culturas que vivem esse tempo, dezembro, mergulhadas na neve - a que os pinheiros resistem verdejantes. Em muitos aspectos os símbolos arcanos da festa são habilmente instrumentalizados pela lógica capitalista e o consumismo que a propaga, com o amável Papai Noel vestido como garoto propaganda da Coca-cola e Tio Sam. Entretanto, nem a onda consumista consegue sufocar a maré mais profunda e primeva que emerge no Natal.
Dos portugueses, o Brasil herdou, também, tradições natalinas menos propagadas, mas que resistem, em especial, no nordeste e nos rincões do País. São as folias de Reis, o bumba-meu-boi, a cavalhada e folguedos como o pastoril e a chegança que remetem à Noite Santa e, de uma forma ou de outra, reproduzem, em cânticos e ritos, a visitação dos pastores e dos magos ao estábulo de Belém onde, conforme a tradição, Jesus nasceu.
Neste início do século XXI, em um mundo marcado pela dominação cultural ocidental-cristã e ainda tatibitate no respeito ao pluralismo, é um desafio fazer das tradições natalinas expressão da paz anunciada pelos anjos, em Belém, à humanidade a qual Deus quer tanto bem. E o Natal deveria recordar aos cristãos que Jesus nunca se impôs a ninguém.
Não devemos esperar que esse mundo pluralista nos diga expressamente que os símbolos de Natal não podem ser mais restritos àqueles de uma determinada religião ou cultura. As próprias comunidades cristãs podem começar o exercício de tornar mais ecumênicas as expressões natalinas: tanto quanto reverenciar o menino Jesus na manjedoura, vislumbrar em toda criança- especialmente as pobres - de toda cultura e religião - bem como seus pais- tanto mais os negros, índios ou migrantes- um símbolo atual da visita amorosa de Deus.
O Natal, além de tudo, pode ser terapêutico, porque contemplar a presença divina no que é simplesmente humano, nos ajuda a experimentar nossas próprias fragilidades pessoais e coletivas como palhas de um presépio cósmico do Natal permanente da Palavra Divina. Toda pessoa e grupo engajados na construção da paz e da justiça no mundo, seja qual for seu testemunho ou a instância e ONGs na qual trabalhem, torna-se anjo e mensageiro - com  que estranheza lidamos com isso - deste novo Natal do qual a humanidade, amada por Deus, está grávida.
Que cada pessoa que expresse à outra votos de feliz Natal- com a consciência alargada de uma saudação  telúrica - se alegre em restituir ao mundo a sacralidade de um Natal da vida e da luz, mesmo em meio às escuridões: nossas e do mundo.
A desconexão cultural hoje existente entre o ser humano e a natureza vitima a ambos e não pode continuar. Podemos devolver ao Natal seu caráter de celebração cósmica e de vitória da vida. O Sol precisa ser visto novamente como sinal e instrumento da luz divina, atuante em nossas vidas. Não para a regressão a uma dependência supersticiosa dos astros, mas para reavivar no imaginário humano a capacidade de interpretar na vida comum o casamento do céu e da terra, a naturança que ajuda a aurora nascer."

Marcelo Barros
(monge beneditino, teólogo e escritor)

18 de dezembro de 2008
Transcrito do blog original

Nenhum comentário:

Postar um comentário